Van Halen – Top Of The World
Há já muito tempo que prometia mas não cumpria. Hoje decidi deitar mãos à obra e escolher umas fotos interessantes para ilustrar o relato da minha mais recente aventura.
É oficial: o Bacalhau das Caraíbas já não o é. Quer dizer, fui e sempre serei “das Caraíbas”, porque aquilo que vivi (e não falo apenas da húngara que importei de lá) me marcou para a vida. Por isso decidi não mudar o nome do blog mas dar-lhe apenas um toque de novidade. Se eu fosse um gajo comospolita, sofisticado e que usasse palavras “ambricanas” diria que peguei no título do blog e lhe dei um "twist”.
Bem-vindos ao “Bacalhau das Caraíbas Na Guiné”!!!
Para trás ficam as fotos em calções de banho nas quentes águas das Caraíbas. Longe estão as paradisíacas praias de Grand Cayman, Grand Turk e Half Moon Cay. Na memória ficam as noites loucas rodeado de mulheres semi-nuas nas ruas de Key West. Bahamas… nem sei se voltarei a vê-las. A minha nova casa é a Guiné. E Odivelas. E Budapeste.
Vendo bem, vou andar por demasiados sítios para poder dizer “aqui é a minha casa”. A vida continua a ser uma aventura e não prevejo mudanças de ritmo nos tempos que se avizinham. Talvez daqui a dois anos decida arrumar as botas (da tropa e com biqueira de aço, por causa das mambas que por aqui andam). E com as botas arrumadas e um emprego normal talvez encomende um Pascoalinho. Até tenho amigas em Paris que metem uma cunha lá na secção (sim, com C antes do Ç) de entregas por cegonhas.
Até lá, as paisagens Caribenhas darão lugar ao verde luxuriante e às fantásticas tempestades africanas. Aqui não falta calor. Não falta humidade. Não falta biodiversidade. E não faltam doenças tropicais. Posso confessar que já apanhei a minha primeira doença tropical, e chama-se Catinga. Nos primeiros dias ainda me senti mal. Mas agora já estou imune. Já não me preocupo em suar até ensopar a roupa e cheirar mal. Da mesma forma que já não me preocupo quando sujo as botas… ou as mãos… ou as calças. E se alguém cheirar mal à minha volta, desde que não arda muito nos olhos e me não faça chorar, é tolerável. E, acima de tudo, é natural!
Aqui é poeirento, lamacento, peçonhento, calorento e muito mais adjectivos terminados em –ento que não me m’alembro neste momento. É duro, é selvagem e é tudo o que uma criança presa no corpo de um homem poderia querer. É como voltar a ser escoteiro ao fim de vinte e dois anos. Antes fazia cabanas e tendas com bancos, paus e lençóis. Virava o sofá da sala de pernas para o ar e cobria-o com um cobertor, largava o gato lá pelo meio e fingia que era a selva, com um felino selvagem que me perseguia numa caverna (que era o sofá). Agora durmo debaixo de uma rede mosquiteira que parece uma dessas tendas improvisadas. Não tenho felinos selvagens a perseguir-me, mas tenho insectos quase do mesmo tamanho que são muito mais interessantes para fotografar.
A viagem até cá é atribulada, tentando passar por guardas alfandegários que nos pedem subornos para não revistarem as nossas malas, onde se manda uma mija em grupo atrás do edifício do aeroporto antes de partir, não vá a vontade apertar durante o vôo numa avioneta muito pequenina. Descola-se de vidro aberto e com o braço de fora, tal como no trânsito em hora de ponta no IC19. Sente-se cada ressalto, as ventoinhas estão do lado de fora do avião, e aterra-se numa pista de terra. Mas o que é isso senão um passeio grátis de duas horas numa montanha-russa? Adorei a viagem e, mesmo com uma directa em cima, adorei o que vi, tirei fotografias até à exaustão e nada conseguiria arrancar-me o sorriso do rosto.
Na minha segunda entrevista de emprego disseram-me, para me avisar/chocar/mentalizar/testar que isto não era o mesmo que trabalhar num navio de cruzeiros nas Caraíbas, que a viagem entre o avião e o meu destino era feita pelo mato, num jipe 4x4, em estradas de terra. Acrescentaram que é uma viagem dura, desconfortável e muito longa. E digam-me lá qual é o gajo que não gosta da ideia de se enfiar num jipe durante duas horas a desbravar terreno por uma montanha acima, apenas para iniciar a descida assim que se chega lá acima! Uma viagem de três horas na A1 mata-me de tédio, mesmo a conduzir um Audi a 230 km/h. Agora duas horas no mato, montanha acima e montanha abaixo… há quem pague para isso!
Não vou falar do meu trabalho. Não vou falar dos meus doentes. Nem vou falar do que se faz aqui. Nunca foi esse o propósito do blog. E também uma pequena cláusula do meu contrato que menciona redes sociais e blogs. :) Mas não é nada de novo, falar apenas de mim e das aventuras do dia-a-dia. Este espaço continuará a ser apenas um local onde partilho o que me vai na alma com amigos e família. O que sinto, o que penso e o que me deixa com o grelho aos saltos.
É impossível andar aqui sem levar pelo menos uma máquina fotográfica no bolso. Já que não ando sempre com a Canon ao pescoço (pelo menos até ao final desta semana), a pequenita Olympus vai sempre no bolso. As oportunidade fotográficas são infindáveis. Quem tem visto as fotos no Facebook já sabe que de paisagens a encontros imediatos com monstros de seis (e muitas mais) patas, não faltam sujeitos para fotografar. Estou propositadamente a deixar fora desta posta (de Bacalhau à Guiné) todas as fotos de insectos que recolhi nestas três semanas. Está para sair em breve um post unicamente dedicado à bicharada! Preparem-se para alimentar os vossos pesadelos!
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAH! (riso maléfico)
As tempestades têm sido o que mais me alimenta a adrenalina. Esta noite, ao sair da cantina, vinha na conversa com um dos outros portugueses que aqui trabalham, e “FLASH” mesmo à nossa frente. E nem dez segundos depois “FLASH FLASH FLASH”. E nada de chuva, apenas o brutal calor húmido semelhante ao do “estágio de preparação” que fiz nas Caraíbas. Terminei a conversa abruptamente com um rápido “tenho que ir buscar a câmara”. E assim andei duas horas e meia armado em caçador de tempestades.
Inicialmente a tempestade estava ao longe, por trás da montanha. Passou ao lado, sempre brutal e a fazer tremer o solo a cada trovão e raio que me cegava durante momentos. Nunca vi relâmpagos e raios tão brilhantes ao ponto de me cegarem e numa tão rápida sucessão. É BRUTAL! Não há como descrever… vejam as fotos e digam se estou a exagerar. Tirei hoje algumas das melhores fotos da minha vida. A foto aqui acima é uma delas. Sem tempo para preparação, câmara de lado, quase a cair, apoiada no capot de um carro. Parece de dia… mas não é. Faz-me lembrar a cena dos relâmpagos da Guerra dos Mundos do Spielberg. A quantidade de electricidade no ar deixa qualquer um (até eu!) de cabelos em pé. Sente-se no ar, sente-se no corpo, sente-se quando a montanha treme. O estrondo é simplesmente fantástico, grave mas estridente e ecoa cá dentro no peito. Faz-nos sentir minúsculos!
A certa altura a tempestade começou a comportar-se de outra forma. Os raios já não estavam a cair à minha frente. Agora percorriam o céu sobre mim. E nesta foto consegui captar um desses momentos em que a electricidade desenhou uma teia que cobriu todo o céu. Assombroso e inesquecível! Foi um orgasmo fotográfico!
Assim é África: fantástica, visceral, imensa, poderosa e sem meio-termo. É algo que se entranha, lá está, como a catinga. :)