Desejo realizado! Menos um sonho por concretizar!

Posso dizer que esta última semana foi espectacular. Nem sei bem quando foi que tudo começou a acontecer, mas tem sido espectacular.

Sinceramente, nem sei por onde começar. Mas vou tentar organizar as idéias e explicar tudo direitinho.

Pois bem. Todos sabemos que TUDO se resume a dinheiro. Na vida profissional o dinheiro dita tudo. Na saúde ainda mais. Que quer isto dizer? Eu "ispilico".

A Carnival é responsável pelas despesas médicas de todo e qualquer funcionário. Imaginemos um tripulante já mais velho, que por acaso tem diabetes ou hipertensão arterial que não foram diagnosticadas ou controladas convenientemente. O diabético desenvolve nefropatia diabética e acaba a fazer hemodiálise para o resto da vida dele. O hipertenso tem um AVC e fica com sequelas. Quem paga tudo isto? A Carnival! O que sai mais barato? Pagar as consequências ou prevenir a desgraça? Obviamente que é a segunda opção a que sai mais em conta. Tenhamos também em conta que um funcionário feliz e saudável presta um serviço de melhor qualidade e, consequentemente, supera as expectativas de quem paga um cruzeiro para ser tratado como um lorde e que inevitavelmente paga outro e outro e outro cruzeiro sempre que pode. Também é este cliente satisfeito que recomenda as férias aos amigos e família. Quem ganha com isto? A Carnival! E ganha como? Ganha dinheiro, prestígio e poder. Constrói mais navios, cria mais postos de trabalho, valoriza as acções na bolsa, torna-se ainda mais popular e... é a bela da simbiose. Funcionários felizes, melhor serviço, melhores críticas, mais clientela, crescimento económico e por aí fora.

Nesta onda de raciocínio monetário, a Carnival desenvolveu um programa de rastreio de diabetes e hipertensão levado a TODOS os tripulantes com mais de 35 anos de idade. Numa empresa que emprega, a grosso modo, cerca de 22 mil pessoas isto implica muito trabalho e investimento. Na semana passada calhou-nos a nós, o pequenito Holiday, acolher o rastreio. Recebemos a coordenadora do programa a bordo. Todos os dias vimos dezenas de tripulantes. Glicémias, tensões arteriais, análises de urina, colesterol e hemoglobina glicosilada. Muito trabalhinho, sem folgas para ninguém durante cinco dias. Foi fixe conhecer pessoalmente uma das enfermeiras do escritório de Miami, já que não passam de nomes e endereços de e-mail com quem falamos todos os dias. Era uma americana porreiríssima! Foi uma forma de conhecer alguém onde são tomadas as decisões, dar-me a conhecer e ao meu trabalho também... o que é bom! Foi óptimo porque de certa forma acabei por conhecer muita gente que trabalha em departamentos do navio que nunca vejo. Pratiquei o meu espanhol mais do que nunca, já que muitos dos gajos da América do Sul nem sequer falam inglês. Um deles não percebia um boi do que a chefona lhe perguntava no rastreio e quando lhe fez a pergunta "do you speak English" ele respondeu "un poquito"! O gajo percebia qualquer coisita, mas não conseguia dizer duas palavras! Ao fim de sei lá quantos anos a trabalhar com espanholas, é agora a trabalhar nos Estados Unidos que pratico o meu inglês... irónico.

Nessa semana fui avaliado. Avaliação de desempenho... a primeira desde que cheguei. Fiquei babadíssimo com as coisas que a minha chefe me disse! E melhor ainda, a outra estava lá a trabalhar no computador e ouviu todas as maravilhas que a chefe me disse duranta a avaliação. Disse-me, e escreveu na avaliação, que terei um futuro brilhante na Carnival e que serei um excelente enfermeiro chefe quando chegar a altura. Deu-me nota máxima na relação com passageiros e tripulantes. E fez-me um elogio que até soou mal. Disse que sou demasiado esperto e rápido e que preciso aprender a abrandar... que quando começo a trabalhar no computador vou tão rápido que ela tem medo que faça algo que não devo. Saí de lá babado!

Também nessa semana passou-se qualquer coisa que nem sei dizer o que foi. Acho que me aproximei de algumas pessoas como nunca tinha feito a bordo. Falei de mim, dei-me a conhecer... e nem tinha dado conta de quão fechado estava até então. Numa noite fiquei horas na cabine da Jaime, a falar com ela e com a Nicole. Não sei o que mudou nessa noite, mas desde então tenho estado super próximo das duas. E também da Sarah (das Oreos) e da Melody (namorada do Eddie). Tenho ido ao bar todas as noites e sinto-me mais sociável do que nunca!

Tenho montes de idéias para mudar algumas coisas que acho que poderiam ser optimizadas no trabalho da enfermaria. As idéias vêm atrás umas das outras e tenho de escrevê-las para conseguir planear o que quero. Até o médico está a apontar as coisas que me saem da cabeça para apresentar algumas propostas ao comandante na reunião amanhã.

Anteontem adoeceu a Anna, uma das enfermeiras. Com ela sem trabalhar o nosso horário mudou. A Rika e eu estamos agora a trabalhar turnos de 24 horas. Hoje estou em Cozumel e estou de folga porque trabalhei o dia e a noite todos ontem. LINDO! Ontem foi o dia mais louco desde que cheguei. Passo a descrever a loucura que foi:

7h45 - na enfermaria liguei o computador, fui à facturação ver os relatórios de vendas do dia anterior, somei os recibos e confirmei que batia tudo certo; fui deixar os recibos no gabinete da contabilidade, desci e passei na messe dos oficiais para ir buscar café "espresso" à italiana e cruzei-me com o médico. Eram quase 8h e íamos abrir a enfermaria.

8h00 - entramos na enfermaria e o telefone está a tocar; antes de conseguir atender toca a linha de emergência - 911. Do outro lado a segurança diz-me que há uma tripulante inconsciente caída num elevador. Acorri ao local, qual paramédico, avaliação da situação, blábláblá, activada a Sierra Team (nome de código para a equipa das macas... os burros de carga, coitados) e toca a levar a senhorita para a enfermaria.

11h00 - já sem a doente na enfermaria e terminado o horário do médico, fechámos as portas e fiquei a tratar das papeladas, consultas médicas para os tripulantes em Cozumel no dia seguinte e as tretas do costume... sou mais um burocrata do que outra coisa qualquer.

12h20 - recebo uma chamada 911 para uma passageira inconsciente no Lido Deck; informada equipa médica através do rádio e toca a correr para lá;

12h45 - resolvida a questão e ainda com a passageira sou bipado; quando saio do elevador dou de caras com o gajo que me bipou, acompanhado por um passageiro, que me diz que tem a esposa do homem com uma epigastralgia severa com irradiação precordial; acorro ao local e levo-a para a enfermaria;

12h50 - na enfermaria a Rika aparece e diz-me "vai comer antes que a messe feche que eu tomo conta da situação até regressares";

12h55 - já com a comida no prato vou buscar um copo de limonada e recebo uma chamada no rádio: a Rika diz-me que está uma mulher a convulsivar no Casino! É a loucura! E eu morto de fome!

12h57 - no Casino encontro a senhora em status pós-crise com um generoso hematoma num olho, activo a Sierra Team e lá vamos nós a caminha da enfermaria.

13h20 - com suor a escorrer pelas costas abaixo chego à enfermaria; a Rika ainda de volta da outra doente: ECG, enzimas cardíacas, medicação e soros e tudo o resto.

13h30 - ainda de volta da mulher da convulsão recebo uma chamada de um passageiro com um esfacelo num braço a sangrar que nem um porco e a caminho da enfermaria. Mas isto não tem fim?!?!!?

FOI A LOUCURA!!! Comi a correr sentado na secretária do médico. Consegui ter quase tudo pronto às 16h, já sem doentes na enfermaria. Reabrimos as portas e lá começou a enchente habitual de malta para ir buscar medicação, consultas com o médico e sei lá mais o quê.

Ao fim do dia combinei ir beber um copo com o médico, o Aleksandar (Alex), e irmos ver as nossas vizinhas no espectáculo.

21h05 - estava eu a preparar-me para um duche a seguir ao jantar e eis que toca o pager. Lá tive eu de ir acudir a uma passageira de novo. Fiquei quase sem tempo para tomar banho e estar pronto às 22h!

22h05 - eis que já de banho tomado e a vestir o meu traje formal me toca o pager de novo. Desta vez a mensagem era que uma dançarina se magoou durante o espectáculo e que estava com a segurança à minha espera à porta da enfermaria. Foi a Jaime, a ruivinha. 'Tadita! Visto que a conheci quando magoou um dedo durante um ensaio, disse-lhe logo "podes parar de fazer coisas destas para estares comigo... afinal de contas, tenho sempre aberta a porta da minha cabine"! Bah! Nem eu nem o Alex fomos ao espectáculo. Ficámos a tratar dela e pronto;

23h45 - chegam as bailarinas todas depois de terminado o espectáculo e vêm ao quarto da Jaime. Ela a escrever um mail e eu a jogar Tetris na Nintendo DS dela, armado em enfermeiro privado (até fiz o trocadilho de ser "private nurse"em vez dela ser minha "private dancer"). Foram todas tomar duche para irmos para a discoteca. Deitei-me de traje formal a ver o Seinfeld na televisão, de porta aberta, sapatos calçados e pés pendentes da cama para não sujar nada;

3h45 - acordei completamente à toa, luzes apagadas, porta do quarto fechada e televisão desligada... pés calçados e pendentes da cama e traje formal ainda vestido; adormeci enquanto esperava por elas e alguém tratou de desligar tudo e fechar a porta quando me viram em coma! Foi aí que me lembrei em pânico que ambos os pagers estavam sem som, ambos regulados para vibrar!!! Olhei para o pager e tinha uma mensagem recebida um minuto antes. Então foi isso que me acordou!

3h47 - liguei para a extensão na mensagem do pager e falei com a linda Jana do outro lado; deu-me trabalho e lá fui para a enfermaria tomar conta doutra passageira;

5h00 - passageira de volta à cabine e fiquei ao telefone com a belíssima eslovaca Jana (diz-se "iána"). É o último cruzeiro dela... vai voltar para casa de férias e provavlmente vai deixar a Carnival. Ficámos uma meia hora ao telefone e perguntei-lhe o que ia fazer hoje. Disse-me que ia nadar com golfinhos e convidou-me para ir com ela!

5h30 - depois de desligado o telefone e encerrada a enfermaria fui ter com a Jana. Ficámos na conversa quase uma hora e depois voltei para o quarto para dormir mais um bocadinho, enquanto ela continuou a trabalhar;

10h00 - estou a dar beijos a um golfinho, a nadar montado nele e a ser empurrado por ele a uma velocidade vertiginosa agarrado a uma prancha de body-board!!!

Adorei o meu dia! Trabalhei que nem um cão... trabalhei até à exaustão, mas adorei! Tendo em conta uma cena desse dia achei que podia melhorar alguma coisa nas enfermarias da frota. Mandei um mail para o escritório em Miami e nem meia hora depois recebo uma resposta. Já a idéia tinha circulado lá dentro e a chefona máxima agora devolvia-me os comentários do pessoal e diz-me "I have to admit that's a brilliant idea"! Fiquei todo babado! Aos poucos sinto que não sou apenas um simples executor de tarefas. gosto da sensação de ser um elemento pro-activo de uma grandiosa equipa.

Estou agora em Cozumel a escrever-vos isto para poder fazer o upload antes de regressar ao navio.

A viagem de regresso aos Estados Unidos vai ser mázinha, já que se vê no horizonte a tempestade que vamos atravessar.

Entretanto já estou a planear o meu terceiro contrato para Fevereiro do ano que vem. Tinha requisitado um navio lindo com um itinerário grandioso, o Pride. Teria a trabalhar comigo a chefe que conheci no Legend, o Sachi (o médico com quem comecei aqui no Holiday) e uma terceira enfermeira... que estou a tentar que seja uma amiga e colega que estou a trazer para cá (não vou dizer quem é)! Seria um contrato a começar a 22 de Fevereiro, 40 dias depois de saír do Conquest. Seria espectacular reunir essa equipa. E os 40 dias de férias em Portugal durante o meu aniversário também são uma excelente oportunidade! Porém a resposta que recebi não foi de encontro às minhas expectativas. Essa vaga já estava ocupada durante dois meses. E eu estava já colocado no Triumph, um outro navio lindo e com um itinerário de sonho! A proposta da chefona de Miami (que achou brilhante a minha idéia de ontem!) foi a seguinte: vou a 22 de Fevereiro para o Triumph, fico lá durante dois meses e depois mete-me os dois meses restantes desse contrato ou no Pride ou num dos transatlânticos que fazem Caraíbas-Itália-Funchal-Miami. Pareceu-me espectacular! Mas fiquei assim um bocadiiiiiinho acagaçado. É que no site médico da empresa, parte da nossa intranet, vi que a vaga que se disponibiliza a 22 de Fevereiro no Triumph é... de enfermeiro chefe. Pá... estou cá há menos de três meses e pensar nisso acagaça-me. Mas daqui a um ano posso já sentir-me de outra maneira. Sempre me foi dito (antes de vir para cá) que eles gostam muito dos enfermeirinhos portugueses. Será? Quase nem durmo à espera duma resposta mais concreta em relação a esse contrato!

Até à próxima!