terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Aventuras de um Bacalhau aprisionado - O Isolamento

25012008252

Estava iniciada a aventura. Quarentena, jet lag, consola de jogos portátil à mão (a minha fofinha playstation portable), computador portátil sem internet (que também acaba por servir como pisa-papéis e arma de arremesso) e muito vontade de sair do "castigo" para ir, entre outras coisas, comer comida de gente! Há sei lá quanto tempo que não comia nada que não fosse comida de avião e cereais. Eu queria um mega bife a escorrer sangue e batatas fritas cheias de gordura! Mas nãããããão... eles acharam que eu precisava ficar quietinho a beber água durante dois dias. Ao menos consegui contornar isso e lá me deram umas torradinhas secas. Nunca antes tinha saboreado com tanto gosto umas fatias de pão sem nada!

Foram dois dias estranhos, em que eu não sabia onde estava, não conhecia ninguém e nem sabia o que fazer se precisasse de alguma coisa. Tinha o número da enfermaria e dos bips das minhas colegas, mas nem me sentia à vontade para as chatear. Felizmente a Rika, a enfermeira chefe, é espectacular e ligou-me na manhã do segundo dia e perguntou-me, no seu super marcado sotaque sul africano ---que me faz lembrar MUITO da loirinha mais linda do mundo, a Cláudia Guedes Fagulha--- "HIIIiiii, Bruno! Are you still breathing?". Afinal de contas não estava esquecido! Acabou por vir à minha cabine, viu como eu estava e fez a gentileza de ligar para o "room service" e pediu comida que supostamente eu não estava autorizado, pelos regulamentos, a comer enquanto em isolamento por gastro-enterite (GI). Passou-me o telefone e pedi uma bela duma sandes mista. Cházinho e sandes mista não foi mau de todo. E ainda meteram umas batatinhas fritas de pacote e enfeitar o prato e caíram que nem ginjas!

25012008251

À noite já comi arroz, iogurte com frutas (que é do melhor para a caganeira que só tive naquela noite no hotel), gelatina e mais uma sandes. Enfardei tanto que fiquei mal-disposto. Mas aguentei-me, não disse nada a ninguém e tomei o belo do Primperan e joguei e vi filmes até adormecer ---Templas, vi aqui na televisão aquele filme que estava no cinema, o tal do gajo que engravida a loira da Gray's Anatomy, e também achei que a nossa Irmandade devia abrir um site daqueles para ganhar dinheiro!---

Estes dias fechado na cabine foram estranhos...sozinho a ouvir pessoal do staff a falar e a rir no corredor à minha porta (é certo que só ouvi mulheres e já tinha visto uma loirinha muito gira com pinta de inglesa na cabine em frente da minha). Enclausurado desta forma, isolado do mundo e das pessoas, lembrei-me da minha infância. Lembrei-me de quando tive escarlatina e fiquei fechado em casa até estar recuperado. Ouvia os amigos a brincar na rua e eles vinham dentro do prédio falar comigo através da porta. Aqui era parecido, mas amigos não havia por perto e ninguém vinha falar comigo através da porta. ---um grande abraço, Fechas, por me teres feito companhia com os teus SMS durante estes dias---

Aproveitei este tempo para repôr energias porque a viagem de Portugal para cá foi mesmo esgotante. Li todo o manual de bordo para tripulantes, onde descobri que a minha barba não é autorizada. Apenas autorizam bigodes e "goatee". Adivinhem qual optei por manter!

25012008256

O Holiday continuou a navegar pelo Golfo do México e chegou a Cozumel cedinho pela manhã. Vi a paisagem pela janela da cabine e pensei "enaaaa, hoje saio do isolamento a tempo de pisar solo mexicano"! Mas eis que toca o telefone e me dizem "hi, Bruno, we need your help down here at the infirmary. We're in the middle of a crisis". Pensei que estavam a pregar-me uma partida, já que um gajo acabadinho de chegar, que fica dois dias enfiado na cabine sem ver nada não fazia puto de idéia como ajudar fosse em que situação fosse. Vesti-me à pressa e fui comer.

Ninguém me tinha mostrado o navio nem onde era suposto eu comer. Sei à partida que, sendo oficial, posso comer em qualquer lugar onde sirvam comida, até nas zonas de passageiros, desde que lhes dê prioridade e esteja vestidinho como oficial e a cumprir as regras todas. Mas ao telefone perguntei à Rika onde podia comer e ela deu-me indicações. Obviamente percebi tudo mal e fui parar à messe dos oficiais. Sem uniforme ainda, apenas com um fato de circulação / pijama de bloco / scrubs, entrei pela messe e tentei perceber como aquilo funcionava. Estavam três homens sentados. Um estava sozinho na mesa e os outros dois estavam juntos numa mesa à parte. Devia estar com uma cara tão assustada e confusa que ficaram todos a olhar para mim. O que estava sozinho perguntou-me se precisava de ajuda. E lá tentei dizer, no meu melhor inglês, que era o novo enfermeiro mas que tinha acabado de sair do isolamento e que era a minha primeira refeição ali. Ele pacientemente explicou onde podia servir-me ou até pedir comida que não estivesse à vista e que eu quisesse. Convidou-me a sentar-me à frente dele, apresentou-se e meteu conversa. Perguntou-me de onde eu era e disse-me que éramos vizinhos quando lhe disse que vinha de Portugal. Italiano, simpático e com muitos risquinhos nos ombros. Olhei para a placa com o nome e posição dele a bordo era Master. Já tinha lido, algures durante o isolamento, que a ordem de evacuação do navio só podia ser dada pelo "Master". Sim, de certeza que tinha lido isso no manual dos tripulantes. Quer dizer que este senhor era dos que trabalham na Bridge, onde se controla o navio e se tomam todas as grandes decisões.

Terminado o pequeno-almoço desci para a enfermaria e deparei-me com um cenário de catástrofe! Pessoal sentado no chão, gente e discutir e a fazer escândalo, uns a vomitar para sacos e baldes e outros a correr para a casa de banho já com as calças manchadas pela diarreia. ---Estevinho, lembras-te da epidemia de franceses com vómitos e caganeira por causa dos ovos daquele Hotel ao pé do Curry? O cenário era igual mas num espaço muito mais pequeno!!!---

Parece que realmente precisavam da minha ajuda. Médico, duas enfermeiras e eu, o puto novo que não sabia sequer o nome dos medicamentos em inglês, que tinha de parar para pensar no que ia dizer e não conseguia sequer dar dois passos sem perguntar como se faz, tudo em alvoroço com gente a chegar a cada minuto e o caos a instalar-se. Parecia um dia na urgência do Amadora-Sintra! Tive turnos mais calmos na Triagem!

Foi um dia inteiro a trabalhar que nem um cão. Muitos injectáveis, supositórios e tudo o que um gajo pudesse lembrar-se para parar os vómitos da malta e só então conseguir parar-lhes a diarreia com comprimidos. Um surto do que chamam "Noro virus", o principal responsável por gastro-enterites virais. Num ambiente fechado como é um navio, é gravíssimo. Espalha-se de uma forma assombrosamente rápida e ganha dimensões alarmantes. Felizmente a bordo dum navio o vírus não se espalha para além do número de tripulantes de passageiros. Se fosse uma epidemia letal, tipo Ebola, morria por aqui. Pelo menos até darem com os corpos quando viessem ver por que ninguém respondia ao rádio!

A situação foi grave. Mas conseguimos manter tudo mais ou menos controlado. Para a equipa médica que estava a integrar-me aquilo era o caos. Para mim, era apenas mais um normalíssimo dia de trabalho. :) Esta gente certamente nunca viu a urgência do HFF!

No dia seguinte ao almoço, sentados à mesa, enquanto a Rika me fazia perguntas para ver se tava preparado para o teste de procedimentos de segurança e emergência a bordo (um teste que todo e qualquer tripulante tem de fazer) surgiu a questão "quem pode dar a ordem de evacuação do navio". Eu respondi que era o "master" e que por acaso no dia antes, meio desorientado, ele me tinha convidado a sentar e tomar o pequeno almoço em amena cavaqueira. Ela ficou admirada... é que esse senhor italiano simpático com muitos risquinhos nos ombros é o COMANDANTE do navio! Eu, um gajo que cresceu a rir-se com as tropelias da tripulação d'O Barco do Amor na televisão, conhecedor de toda a mística em redor da honra de ser convidado para a mesa do Comandante, tinha tomado o pequeno almoço com ele, falei de onde vinha, perguntei-lhe de onde era ele e tal, como quem fala da meteorologia e sem puto de idéia que era o senhor que manda em tudo aqui dentro! :)

Depois de um dia a viajar e 48 horas de isolamento passei dois dias inteiros a trabalhar que nem um cão. Ninguém parou nesta enfermaria e a Anna e o médico, o Sachi (um indiano especialista em emergência), fizeram directa e trabalharam também a noite toda, enquanto a Rika e eu fomos dormir.

Nestes dois dias passaram pela enfermaria mais de cem passageiros e tripulantes, e uns 90% foram só no primeiro dia. Isto de um total de 1548 passageiros e 686 tripulantes. Ainda bem que este navio é dos mais pequenos da frota!

Hoje foi o dia em que atracámos de novo em Mobile. Tive de obter a minha autorização para circular em solo americano. Os senhores da emigração (Homeland Security) fizeram a parte deles, mas por causa do surto viral, ninguém pôde deixar o porto. Aproveitei apenas, já que estava fora do navio, para fotografá-lo de novo e meter aqui umas fotos para vocês verem.

28012008264

28012008267

Por hoje é tudo. Mas já tenho outras histórias para contar e começam a descer de nível e a subir de interesse! ;)

3 comentários:

Unknown disse...

Aki estou eu mais uma vez a acompanhar a tua aventura!!
Pensavas ke ias para aí, para veres uma "babes" a apanhar sol e tomares uns banhos de piscina, enquanto bebias umas "Colas"?
Mas aposto que entre a injecção e o supositório, ainda conseguiste jogar Playstation!!lol

Um abraço Bishop

...cuidado com a loirinha da cabine da frente!! Já lhe disseste que eras sonâmbulo!?

elisabete disse...

Para além da boa vida, mulheres bonitas e jantares de gala também terás que fazer qualquer coisita, não...?! Até para não esqueres a "bela" da urgência do HFF.


Beijo grande

Anónimo disse...

Maluco!!!
Pelo começo, a tua aventura só poderá ser melhor e mais inesquecível do que qualquer cenário que pudesses imaginar. É feio, mas invejo-te!! ;)
Tenho andado um pouco longe daqui, até de mim, e, evidentemente, de ti. Mas mudará.
Tentarei visitar-te regularmente, e comentar as tuas postas.
Diverte-te diverte-te diverte-te. Aproveita e absorve tudo, bom e mau, doce e acre, belo e bela e boas mamocas lololl ;)
Até logo
Grande abraço

JFechas