segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Sair de casa e chegar ao destino - Capítulo 1

Era uma noite fria. Sem chuva... sem vento... mas fria como tudo. Sono, cansaço, stress e ao mesmo tempo aquela estranha sensação de que os pés não estão na terra e que estamos acima de todo e qualquer problema. Esta última sensação é algo que descrevo como aquele momento embaraçoso em que um professor pergunta "alguém tem dúvidas?" e a resposta é apenas o silêncio. Aquela sensação de que nem sequer conseguimos identificar o que falta e o que não estamos a perceber. E nesse momento pensei que talvez devesse ter ido jogar futebol profissionalmente, pois o vazio na minha cabeça fez-me sentir quase como que possuído pela alma do Cristiano Ronaldo... mas sem o talento para dominar a bola. Sabia que nada sabia do que tinha para fazer e do que já estava feito. Total desorientação e confusão mental. Cheguei mesmo a indagar-me se um ionograma não iria revelar uma hiponatrémia das más porque eu já não conseguia pensar em nada e tinha até alguma dificuldade em fechar a boca para não ficar a babar-me enquanto olhava para as malas, papeladas, sacos, ecrãn do computador, chaves de casa, documentos para a viagem, recados para a mãe e etc.. E olhem que já vi muitas vezes esse olhar vazio de hiponatrémico grave, com a boca aberta e em que só não escorre baba porque já estão desidratados demais para isso!

O Fechas estava a dormir na minha cama enquanto eu arrumava o que faltava e dava um jeito nos preparativos de última hora (que, para quem me conhece, sabe que significam 90% das que coisas que precisava estar a tratar com mais de um mês de antecedência).

Era suposto ele ir levar-me ao aeroporto e seguir para o trabalho. Mas como o meu carro deu o berro, o coitado foi também meu motorista ao longo da noite, enquanto fui deixar a minha "amante" a casa do Fagulha ---Fadjo: espero que estejas a fazer o amor com ela enquanto escrevo isto. É muito delicada e precisa de muito carinho!---

Ainda tive de regressar ao hospital porque me esqueci de assinar as folhas de ponto! ---Há coisas que nunca mudam, não é Rolo e Matilde?---

Pois bem, às 5h55 estava no aeroporto de Lisboa, com duas malas muito acima do peso permitido, muita confusão na cabeça e uma senhora que queria despachar-me e terminar os check-in para aquele vôo. E a coitada, obviamente farta de estar ali uma noite inteira a levar com parolos como eu, apanha-me pela frente, sem saber sequer o que tinha de mostrar-lhe para poder entrar no avião.

Às 7 horas estava dentro do avião e com destino a Frankfurt. O verdadeiro destino seria Mobile, no Alabama. Mas como não há vôos directos, lá foi o Bacalhau dar uma passeio à bela Alemanha. De Frankfurt apanhei então um avião da Delta a caminho de Atlanta, EUA. Foi o maior avião onde viajei, um Boeing 767, e foi também onde serviram a melhor comida de avião que já comi. Infelizmente, a comida era tão boa que o meu pobre estômago, habituado à javardeira da comida do refeitório e do bar do HFF ---Louvado seja Valentim... Ámen!!!--- rejeitou tudinho. Mas falarei disso mais à frente.

Umas 11 horas depois aterrei em Atlanta. Subitamente mal-disposto, sem paciência e irrequieto. Até parecia que estava a viajar há mais de meio dia e com uma directa em cima... não se entendem estas variações de humor. Parecia uma gaja com as hormonas à chapada para ver quem leva a melhor. E ainda assim tive de esperar uma meia hora numa fila para a Emigração, andar perdido por sei lá quantos corredores vazios, voltar a levantar as bagagens, fazer novo check-in e esperar hora e meia (para além do tempo já passado nas burocracias) pelo novo vôo. Tive de apanhar um COMBOIO dentro do aeroporto que acabou por deixar-me no terminal onde seria o embarque no meu último vôo. Já em Frankfurt foi assim... estes gajos têm aeroportos TÃO GRANDES que para um gajo ir de um lado para o outro lá dentro, há um sistema de metropolitano só para esse efeito. C'um caraças! Aqui é MESMO tudo à grande. Mas mais tarde voltarei a abordar esse tema, dando uns toques acerca de: sanitas, taxistas femininas (se é que existe essa nomenclatura!), estradas e cadeiras de rodas.

Cada vez pior, lá fui ver como seria uma casa de banho americana. Entre cólicas e náuseas, tudo eram ameaços. Saídas abertas, mas sem trânsito... e isto é uma metáfora... ---das que tu gostas, Magda!--- e por duas vezes recorri às bonitas casas de banho do Aeroporto Internacional de Atlanta, ambas sem "sucesso".

Acabei por embarcar no meu último vôo, um avião pequenino em que os passageiros perguntavam uns aos outros, como quem mete conversa no autocarro, "so do you live in Mobile?". Tudo muito amigável e quase a tratarem-se por "ó vizinha". Obviamente EU tinha de mostrar-lhes que não estava à vontade com essa conversa no avião e vomitei, alto e bom som, para quebrar o ambiente. Sucesso garantido! Principalmente com o avião ainda no solo, motores silenciosos e os passageiros a fazer o embarque. Diz que a pizza de espinafres servida como "snack" no último vôo achou que eu precisava de atenção no meio de tantos desconhecidos, e decidiu saltar cá para fora por onde houvesse espaço para sair... incluindo as narinas na rota que tão cuidadosamente traçou do estômago até ao saquinho de vómito do avião. Que bonita imagem consegui criar agora nas vossas cabecinhas, não é? Os filmes "blockbuster" são assim... gráficos, sem delicadezas e capazes de transmitir-nos sensações, ainda que seja apenas repugnância! Este é um desses "momentos blockbuster", um de muitos nesta nova novela "Bacalhau das Caraíbas".

Lá descolou o avião, e eu todo sorridente, sem ponta de náusea e capaz de enfrentar o mundo! Afinal era mesmo só a pizza que estava a incomodar-me. Também, quem raio é que se lembrou de juntar ESPINAFRES e PIZZA. São de Reinos diferentes, Mundos distintos, Filos separados! Nunca misturem coisas supostamente saudáveis como "gorduronga" e colesterol. Vão andar à porrada para ver quem ganha e, independentemente do venceder, nós perdemos! Perdi volume gástrico, mas ganhei a atenção e o olhar reprovador e enojado de todos os outros a bordo! E ainda fiquei com um hálito a condizer! Adoro ser popular!

O avião lá descolou, após me perguntarem se eu queria esperar pelo próximo vôo e eu os ter mandado à fava. Bastou o meu bafo para que eles deixassem de querer fazer-me mais perguntas. Ou isso ou tinha algum pedaço de pizza de espinafres semi-digerida a pender do nariz sem dar conta. Consegui repeli-los e acabei por dormir durante toda a viagem.

Chegado a Mobile estava "terminada" a viagem. Um táxi à porta, uma espécie de carrinha parecida com uma Citröen Xsara (mas americana) tinha no lugar do condutor uma senhora que também ela parecia uma carrinha, se bem que muito menos elegante que uma Xsara. Se esta fosse internada na Amadora, teria escrito na sua folha "obesidade mórbida" como antecedente e isso seria passado em voz alta enquanto ela sorria de volta para nós ---certo, Magda? :) --- Malas na bagagem e ala que se faz tarde (ou não, já que aqui ainda eram SÓ 19h). Pelo caminho esta senhora fez de tudo, mas o mais espectacular foi quando fez um bonito exercício de ginástica acrobática, tirou o telemóvel do bolso, abriu-lhe a tampa, correu a agenda, ligou a umas três pessoas, falou com todas acerca de um monte de porcarias e isto SEMPRE a conduzir. Espectacular! Mudanças automáticas têm destas vantagens: ficamos com uma mão livre para fazer o que for preciso!

Lá cheguei, são e salvo, ao Hotel. Era um Marriott. E, para não achar estranho estar num hotel desta família, lá gregoriei (ou "cabritei") mais uma vez após beber um copo de água. Mas desta vez parece que as saídas estavam abertas e cheias de trânsito, porque foi água por cima e por baixo. Eis que tinha chegado também a bela da diarreia. Fiquei melhorzinho após "desaguar" e lá me deitei na cama, portátil ao colo e ligação wireless à borla. Acabei por adormecer... foram 21 horas de viagem: de carro, avião, comboios dentro dos aeroportos, tapetes e escadas rolantes com fartura, mais aviões, vómitos pelo nariz, taxistas de telemóvel em punho e tudo o que um gajo possa imaginar para uma só viagem. Em Mobile são menos 6 horas do que em Portugal. Podemos então adicionar "jet lag" à lista de coisas a deixar-me de rastos.

Acordei de manhã, sem sono mas todo moído. Fiquei na ronha, ainda fui à net de novo e fui bombardeado por mensagens de gente que estava online em Portugal. Parece que era hora de almoço e estava tudo sem nada para fazer e decidiram todos meter conversa. Obrigado a todos pela força e pela conversa matinal ---Gregos, esta é para ti!---

Banhinho, roupinha lavada, tudo enfiado dentro das malas e lá vai ele de elevador. Pequeno almoço a correr: fruit loops com leitinho do bom e um donut coberto de kilos de açucar em pó. Na América, sê americano! Tinha de provar um donut deles, pá. Isto é que é! Não é como aquela porcaria da Panrico... aqui sente-se o peso do bolo!

O táxi chegou com uns 15 minutinhos de atraso, pelo que ainda tive tempo de usar um computador com net grátis para carregar o meu telemóvel. É que a 48 cêntimos cada SMS, um gajo fica sem saldo num instante! Nove e meia e estou no táxi a caminho do M/S Holiday. Segundo sei, é o navio mais antigo e mais pequeno da frota da Carnival. O taxista não era obeso. Era um afro-americano, pequenino, velhinho e magrinho. Não falava ao telemóvel mas tinha um copo para onde cuspia com frequência... e deixem-me dizer-vos que o tabaco de mascar tem um aspecto horrível depois de estar empapado em salivinha! Tentei meter conversa mas bem que me arrependi. É que o senhor tinha um sotaque imperceptível e eu ia dizendo coisas como "aaaaahhh..... oooohhhh.... riiiiiight...." para ele não pensar que estava a falar para o boneco. Foi uma viagem interessante e só conseguia lembrar-me cas conversas do Nuno Markl com os taxistas - "o futebol já foi mais técnico"! Estava a chover, mas nada de especial. Daquela "molha-parvos".

Foi então que, de cima de um viaduto, vi lá à frente o belo do Holiday. O "mais pequeno" da frota era mais alto do que um prédio e foi assim que consegui vê-lo. Tirei-lhe logo umas fotos com o telemóvel! São 3 megapixéis, mas dão para desenrascar. O senhor parou no Porto, deu-me o recibo dos 20 dólares que paguei e ajudou-me a tirar a bagagem. O segurança do navio perguntou-me qual o meu departamento a bordo e eu respondi "Medical". O gigante senhor de raízes africanas disse "oh, you're the new nurse" e deixou-me entrar. Mas ainda aproveitei para tirar mais umas fotos. Meus amigos, o navio é gigante... estar na base do navio e olhar para cima é como olhar para um edifício de 8 ou 9 andares. Enorme!

Entrei, mostrei passaporte, assinei umas folhas com vários nomes de recém-chegados, passei pela segurança DE NOVO e todas as minhas coisas passaram pelo Raio X. Depois assinei mais uns papéis, preenchi mais outro (onde meti uma cruzinha no fim onde me mandava assinalar caso eu tivesse tido diarreia ou vómitos nos últimos três dias),fiquei sem passaporte e esperei uns minutos por uma das enfermeiras. E nesses minutos vi uma inglesa linda linda linda linda linda de morrer. Alguém meteu conversa com ela e foi assim que soube de onde ela era. Eu lá continuei no meu silêncio... envergonhado e com medo que alguém olhasse para mim. Isto é um bocadinho constrangedor... tudo é novo, tudo é estranho, tudo é diferente. Lá chegou a enfermeira. Apresentou-se: Anna. Meia idade, sul africana, cabelinho curtinho e bom aspecto. Mas ficou muito preocupada por ter tido diarreia e vómitos na noite anterior. Guiou-me por um labirinto de corredores e salas, nitidamente áreas de acesso restrito à tripulação, onde até empilhadores andavam, e lá chegámos à enfermaria. Ela ficou a tratar dumas coisas dela no computador e eu fui vendo as salas da enfermaria, as gavetas, os armários, os nomes das medicações em inglês... um dos desfibrilhadores era-me familiar e fui ver como tinham aquilo arrumado. Era um Lifepak12, igual aos usados nas VMERs. E ao fim dum bocado ela lá me levou ao meu quarto (daqui para a frente chamado "cabine"). O médico não estava presente, então ela ficou de dizer-me qualquer coisa acerca de eu ter tido diarreia.

A cabine é pequena, mas tem tudo. Uma cama, uma TV com leitor de cassetes VHS (nem sabia que isso ainda se usava), um roupeiro, uma cadeira, uns halteres pequeninos no chão (para eu abater a badocha!), dois telefones, um frigorífico, um colete salva-vidas, casa de banho e até uma janela com vista para o mar. Tive uma visita da minha enfermeira chefe, a Rika. Também sul africana, muito simpática e também perto dos 50. Parece que as sul africanas são lindas quando são novas e que se mantêm assim à medida que os anos vão passando!--- não é assim, Cláudia? Vais ser uma cota toda gira com o Fagulha a afastar os abutres que andarem à tua volta!--- A Rika lá me deixou sozinho de novo e fui tratando de abrir e espreitar todas as gavetas e armários.

Mal entrei tinha também reparado nos meus inseparáveis companheiros daqui para a frente - um bip e um rádio (ou walkie-talkie, para os que tinham uns para brincar quando eram pequenos) - e fui mexer neles.

Desfiz as malas, arrumei tudo e recebi um telefonema da Anna. Parece que uma gastro-enterite é uma situação grave a bordo, principalmente porque tiveram uns quantos casos no cruzeiro anterior e que tinha terminado nesse dia. Como tal, fiquei de QUARENTENA... por 48 horas! Isolamento sem poder sair da cabine, com dieta líquida no primeiro dia e gelatina, torradas secas e arroz branco no segundo. Estava finalmente no meu destino. A viagem foi longa e precisava muito de descanso... mas não esperava ISTO.

Abri o portátil e comecei a passar tudo o que eram fotos do telemóvel para o disco rígido. Alguma coisa falhou... e perderam-se TODAS! TUDINHO!!! De sei lá quantas fotos, antigas, assim-assim e recentes, incluindo as do navio, sobraram apenas duas. ---Uma era tua, Betinha! ;) --- Há coisas do caraças...

E foi assim o espectacular início da minha aventura... uma verdadeira cagada!

8 comentários:

Lady Lucy disse...

Olá gajo bom!
Parece que sou eu a inaugurar os comentários ao blog!
Adorei esta introdução! Já mandei umas gargalhadas valentes!
Fico à espera dos próximos capítulos! ;)
Beijinhos e diverte-te mto!

Joao disse...

Hey Pascoal! Tens umas piadas engraçadas e por isso acho que vou continuar a ler a tua epopeia caribenha regularmente!

Abraço

Ass: JP ( Poste, em contexto académico e íntimo ;)

Unknown disse...

Ainda só vais no primeiro capitulo e já estou viciado na tua aventura americana!
Está descansado que tenho feito o amor com todo o carinho com a tua PS3.

Abraço do Fagulha ou como tu preferes FADJO

Unknown disse...

Oi gajo,
já adicionei o teu"blockbuster" nos meus favoritos para continuar a acompanhar a tua aventura!!
Se o resto do enredo for deste nível, terás sucesso garantido!

Abraços do Bishop

PS: Noticias da bola: os lagartos ganharam 2-0 aos tripeiros. Parece que os benfiquistas acenderam velas a todos os santinhos!!

Bruno Pascoal disse...

Obrigado pela visita, malta. E obrigado pelas novidades, Bispo! O Sporting perdeu a cabeça ou jogou com tranquilidade?

Acreditem que as próximas narrativas vão ser ainda melhores. Mais curtas e menos detalhadas, mas melhores. Só para terem uma idéia, hoje evacuei um passageiro numa lancha da guarda costeira e viemos a ripar com o homem até ao porto mais próximo. Estou agora num hotel com tudo pago, à espera de saber se vou de avião até Cozumel encontrar-me com o navio ou se fico aqui com tudo pago até o navio voltar daqui a 5 dias!

COD disse...

Attention on deck. This is the captain speaking.
We have sent Mr. Pascoal ashore, escorting a fake "sick passenger", in order to get him out of our vessel. We are fucking fed up with him, here. Do you want him back in Amoidorra- sentrra's hospital? Please do ....

0000-000 Midle-of-the-Sea

Anónimo disse...

Pasquinho!!! Que bela novela vai aí!! O início dá deu para rir!
De quarentena... oh meu deus!! só tu!!!

Beta disse...

Que risota dei sozinha!!! Já estas nos meus favoritos claro!!! :)

Tou a imaginar a cara das pessoas a bordo contigo a gregoriai!! ehehe

Acho que essa Betinha não sou eu!!! O tlm não teria assim tão mau gosto em conseguir slavar uma foto minha!!! LOLOL

Espero que tenhas ficado no hotel à borliz durante 5 dias!!!

Beijinhos
e boas aventuras