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Trabalho, passeios no México, festarola todas as noites e pouco tempo sentado ou deitado na cabine. Estes são os motivos para não ter escrito para vocês. Ando armado em desnaturado, eu sei! Mas também não têm acontecido aventuras. Ou então começo a habituar-me a uma vida totalmente diferente de tudo o que tive até hoje e já não verbalizo o entusiasmo como antes.
Estou sentado na cama à meia-noite e pouco, com dois pagers à cabeceira. Estou "on-call" até às 8h. Espero ter uma noite descansada! Dormi desde as sete da tarde até agora, a Talia acordou-me para ir ao bar da tripulação, mas estava tão pedrado que me baldei. Agora estou acordado e decidi dedicar-vos algum tempo... mas vou na mesma ao bar daqui a pouco!
Completei anteontem, dia 24, o meu primeiro mês a bordo do M/S Holiday e da minha nova vida. Foi um mês intenso, arrojado, cheio de coisas novas e diferentes... e parece muito mais do que "apenas" quatro semanas.
Passado um mês já não preciso ligar para algum lado e dizer "hi, this is Bruno, the new nurse". Basta-me dizer "Hi, this is Bruno" e do outro lado já sabem sempre quem é! Nunca pensei que em tão pouco tempo passasse de "new nurse" a parte da família Carnival!
(Aparte: no último cruzeiro, que terminou esta manhã, tínhamos 630 tripulantes a bordo e 1545 passageiros. É o navio mais pequeno da frota e tem a bordo mais população do que algumas aldeias em Portugal! Não é fantástico?)
Tenho conhecido gente super interessante e simpática. Como experiência profissional é excelente e já tive sei lá quantas formações em procedimentos de segurança, "crowd management", política ambiental, etc.. Como experiência pessoal (viajar e tal) é muito excitante. Mas a experiência social bate todas as outras! Conheço gente de todo o mundo! Literalmente! Desde a Austrália à Tailândia, Índia, Sérvia, Rússia, Alemanha, Inglaterra, Itália, Canadá, Estados Unidos, África do Sul, Namíbia, Guatemala, Brasil, Perú, Trinidad & Tobago e outros que nem consigo lembrar-me agora! É fabuloso!
Estou literalmente em pulgas para trazer cá alguém de férias num cruzeiro. Era tão fixe poder ter amigos ou família a viajar comigo... o cruzeiro em si é barato e consigo trazer a família ao preço da uva mijona. Já a viagem de avião até aos States é que dá cabo do orçamento. ---para quando essa viagem a Atlanta, Lara? E o México, Magucha? Sempre vens?---
Voltando às historinhas do costume, devem lembrar-se da dançarina que se magoou durante o show e que foi salva por mim. Australiana, gira e fofinha, que basta dizer "helloooooooo" e a malta derrete-se. Não falo do físico porque nem vale a pena comentar! ;)
Pois bem, ela voltou à enfermaria uns dias depois para um "follow-up" com o médico. Mas levou uma outra amiga dançarina, ruiva, e muito gira, que tinha magoado um dedo também a dançar no dia anterior. Foi um daqueles dias de castigo em Mobile, em que trabalhei e que não pude ir à rua. Tinha pedido à minha chefinha que me trouxesse Oreos para molhar no leitinho e a caixa das bolachas estava em cima da secretária. A loirinha de sonho perguntou-me se as bolachas eram minhas... ao que respondi que sim, mas que ela não podia comer daquilo porque estava lesionada e sem exercício físico e os doces eram desaconselhados. Olhou-me com um sorriso malandro de quem ia torcer-me o pescoço e, inevitavelmente, derreti! Foram sentar-se na sala de espera da tripulação quando souberam que o médico estava atrasado. E uns minutos depois fui levar-lhes um pacotinho de Oreos. Ficou com um sorriso tããããão giro e disse "I looove youuuu", ao que respondi "no you don't, you just want my cookies"! ---quem foi que disse "come to the dark side... we have cookies"? Sei que é alguém do ptjogos. Tentei usar a deixa aqui mas não funcionou!--- E foi o começo do meu renascer... algo que explicarei mais à frente.
Esta história das Oreos teve continuação. Todas as bailarinas têm, na porta da cabine, um quadro para escrever recados ou um cesto para deixar coisas. A Sarah tem uma bandeira australiana fixa com ímans... e nada melhor do que embrulhar um pacotinho de Oreos num cantinho da bandeira e deixar um recadinho com conversa de engate. Durante uns três dias fui deixando guloseimas lá na porta dela... Não que quisesse saltar-lhe para cima. No fundo essa intenção poderia até existir (aliás, se a vissem poderiam perceber que não haveria sequer forma de olhar para ela e conseguir fugir aos instintos animais da reprodução!) mas a prioridade é criar laços, fazer amigos, pertencer ao grupo. Um sábio senhor disse-me "primeiro conhece-as e depois caça-as" ---foi o melhor conselho que me deram, Código Postal! Obrigado!--- e é isso que tenho tentado fazer por cá: amigos!
Durante três dias aquela porta parecia uma árvore de natal com doces pendurados. Fui deixando de tudo: Oreos, rebuçados, bombons. Só doçaria! E juntava sempre uns post-it com qualquer coisa engraçada. Num deles disse-lhe "se conseguir deixar-te com diabetes talvez te veja mais vezes na enfermaria". E há uns dias ela foi lá de novo para o médico lhe ver o joelho. Quando entrou deu-me uma dos seus "hellooooooo" quebra-corações. Perguntei-lhe se ia fazer a medição do açucar no sangue e riu-se! Valeu a pena pela risada!
Entretanto chegou a minha chefinha e rendeu-me... era hora de eu ir passear pelo navio e ver o pôr-do-sol à chegada ao México. A Rika estava ao telefone com alguém e estava a fazer-se de zangada e a ralhar disse a quem estava do outro lado: "sabes que eu sou uma mãe e quando vieres cá vou castigar-te e dar-te umas palmadas no rabo" (sem qualquer maldade, mesmo no sentido maternal de quem castiga quem se portou mal!). A Sarah riu-se da sala de espera e disse "go girl!" e eu a curtir o mau feitio das duas! Armado em espertalhão meto-me com a bailarina: "por vezes tenho medo dela, tal o mau feitio". Ao que a Sarah responde "estou habituada, o meu namorado também é sul-africano". E assim morreu o meu sonho de casar na Austrália e ter um quintal cheio de aranhas venenosas em cada canto. ;) Já passou uma semana, e ainda hoje estou na dúvida se ela está habituada ao mau feitio sul-africano ou às palmadas no rabo! O que acham?
Posso adiantar que ela nunca me disse nada em relação aos doces que lá fui deixando. E a ausência de feedback sempre foi indicador de que não quis entrar na brincadeira. Até o Dale me trouxe Oreos do México, num dia em que estive a trabalhar e não pude sair do navio. A rapariga portou-se bem. Foi simpática mas nunca baixou a defesa! Ainda assim, o objectivo foi atingido: deixei de ser um estranho. Passei a ser o gajo que tem a mania que é engraçado e que gosta de inventar novas formas de interação!
E regresso ao "renascer". Porquê "renascer"? Porque durante muito tempo adoptei um mecanismo de defesa que me fez estar encolhido e escondido, isolado do mundo, dos amigos e da família e até da minha mulher. Longe de uma vida social, longe das pessoas. Longe de mim, do que sempre fui e do meu sentido de humor... longe da minha idiota capacidade de inventar as surpresas mais absurdas para deixar um sorriso nos lábios de uma rapariga de quem gosto. E num destes dias, enquanto escrevia o recado que acompanhava a guloseima, apercebi-me que voltei ao que era! Imaginativo, sempre com uma piadinha parva e a rir-me sozinho com as coisas que faço.
---Susana, mais do que nunca apercebi-me no quão diferente me tornei e de como isso tirou todo o sentido ao que sempre tivemos desde que nos conhecemos... nunca deveríamos ter deixado que os nossos problemas enquanto casal tivessem destruído as nossas personalidades daquela forma. Estamos agora a conseguir reencontrar-nos... cada um no seu novo caminho, na sua nova vida. Talvez consigamos voltar a ser amigos como antes. Sei, porém, que nunca seremos como éramos. Mas desejo que sejamos capazes de superar tudo e possamos lembrar-nos de que quando nos tornámos amigos o nosso bom humor prevaleceu SEMPRE!---
Na minha nova e activa vida social, coisa que nunca tive, começo a penetrar em grupos "fechados". Já tenho alguns amigos no grupo da dança. Já me dava bem com uma sérvia, como vos disse antes, e há umas noites atrás acabei por passar a noite na conversa no meio deles. E isto porquê? Porque a Talia me desafiou para ir ao bar e depois meteu-se lá a cochichar com a Kim, uma loirinha amiga dela. E foi aí que vi a Marija (diz-se "Máría"), a minha amiguinha sérvia. É tão gira e fixe ela! ---e é morenaça, Claudine, como tu! Nem tudo no mundo são louras!--- O que mais gosto (sem mencionar caracteres sexuais secundários) é mesmo a maneira como fala. É tão desenrascada e tem um sotaque tão "à Mourinho" que não consigo deixar de sorrir quando a ouço reclamar com qualquer coisa! É animadora dos putos. Uma noite destas tive uma chamada dizendo que alguém caíu e se magoou nas escadas do Lido Deck, perto da piscina. Fui até lá e não encontrei ninguém. Procurei por todo o lado e nada. E quando fui ao telefone e liguei para o gabinete dos Pursers para saber onde afinal estava a pessoa magoada, vieram uns putos abraçar-se a mim. Fiquei à toa! que porra é esta?! Depois percebi: a Marija estava a jogar "Verdade ou Consequência" (Truth or Dare, como lhe chamam aqui) com eles. E comos pré-adolescentes que são, preferem sempre a parte da consequência! Ela viu-me a mandou-os vir abraçar-me. É bué fixe ela! Sabe bem estar cá há tão pouco tempo e já ter por cá pessoas que me fazem sorrir porque me sinto bem ao pé delas.
Voltando ao grupo dos sérvios... estava eu no bar, a Talia a falar com uma amiga e achei que não era suposto estar lá a cuscar. Vi a Marija, com duas ou três amigas, e fui para pé delas. Uma delas, que conhecia de vista, falou bué comigo. Sandra, é o seu nome. Super simpática! É coordenadora de grupos a bordo. Se vierem fazer um cruzeiro com um grupo de amigos, com uma empresa, com um clube ou coisa parecida, ela é quem vai tratar das vossas coisas. Acabei por ficar a falar com ela até ir dormir. E sim, é muito gira também! Trinta e um anos, gestora, decidiu vir fazer uma coisa diferente e cá está, a bordo do Holiday no seu primeiro contrato, tal como eu. Ao longo da noite, enquanto conversava com a Sandra, apareceram os outros sérvios todos e dei por mim no meio deles, como parte do grupo. Agora sempre que passam por mim fazem uma grande festa!
As interações sociais não páram e já começo a precisar de uma agenda aqui também, para não me perder! Posso dizer que todos os gajos do actual elenco de dançarinos, são gays. E são assumidíssimos, sem preconceitos e sem merdices! Um deles dança bem para caraças. É ver as gajas a fazer filinha para dançar com ele nas festas no bar! E eu, o coxo, a pensar "tenho que aproveitar para aprender, já que vivo na Holiday Dancer Avenue"! Pois bem, este rapazinho é americano e é filho de Colombianos. Fala inglês e espanhol e quer aprender português porque tenciona ir para o Brasil. Diz que adora capoeira e quer ir treinar para lá. Como fala espanhol, não deve ser difícil ensinar-lhe português, pelo que lhe propus algo: ensino-o a falar português (já que também me desenrasco com o espanhol e consigo apontar-lhe as diferenças entre ambas as línguas) e em troca ensina-me a dançar. Ele aceitou! Coitado, não deve ter noção que a minha inaptidão para dançar é algo genético e que nunca deixarei de parecer uma marioneta do Jim Henson (criador dos Marretas, para os que não conhecem).
O Dale continua a ser o meu amigalhaço. Descobri que o gajo é instrutor certificado de bilhar. ---Michel, tinhas de ver o homem a jogar... até ficavas com os olhos em bico!--- Estou então a aproveitar para aprender snooker e até já aprendi truques e jogadas muito loucas. No bar dividimos o nosso tempo a jogar bilhar, a jogar ping-pong, coisa que eu já não fazia há 19 anos, e a conviver com a malta.
Uma das noites antes de chegarmos a Cozumel fomos os dois conversar para o Deck da tripulação. Fomos lá fora e o calor do México já se notava. Víamos a costa mexicana, lua cheia e outros navios de cruzeiro iluminados como cidades ambulantes a flutuar no horizonte. Foi um momento que não esquecerei e as fotos nocturnas que vêm neste post são daí. Tivemos um momento hilariante. Vimos uma bóia pendurada no varandim e perguntei-lhe "o que fazes se vires alguém caír ao mar?". Deu a resposta do livro e ambos aplaudimos porque somos agora tripulantes certificados em tudo o que são procedimentos de segurança a bordo! Reparei que preso à bóia havia um cilíndro vermelho, pendurado de pernas para o ar. Peguei no cilíndro para ver o que era e quando o virei para cima disparou um MEGA FLASH nos olhos! Instantaneamente ambos dissemos a mesma coisa... mas cada um na sua língua! Foi tão giro! Só eu percebi, e ri-me que nem um estúpido até que consegui respirar e explicar-lhe. É que no escuro da noite, levar com um flash que tem como objectivo tornar visível uma pessoa que caia na água, cegou-nos aos dois. O Dale mandou um "oh fuck!" e eu disse o mesmo em português! Ao mesmo tempo! Parece que não interessa de que país somos: quando nos assustamos com algo, a reacção não difere! ;)
E por agora chega de escrita. Vou vestir-me, pegar no carrinho de emergência e dar um saltinho ao bar.
Até à próxima!
P.S.: beijinho muito grande à linda e fofinha Wendy do HFF! Sempre que vou a Cozumel bebo uma cerveja e como um burrito na Wendy's Tequilla House e lembro-me de ti!