domingo, 3 de fevereiro de 2008

Passeio pelo navio

 

Hoje fui dar uma voltinha pelo navio. Durante este cruzeiro que termina amanhã as áreas para passageiros estão interditadas a tripulantes. Só podemos lá ir se estivermos em trabalho. Assim, andei a passear pelas zonas de tripulantes, para conhecer um pouco mais disto. Os primeiros dias foram super complicados, com montes de trabalho e situações extraordinárias (como estar fora do navio por dois dias), e não tive oportunidade de ir onde quer que fosse. Está na altura de começar a conhecer os cantos à casa.

A seguir ao almoço dei um saltinho ao "crew deck", que é onde podemos deitar-nos numa espreguiçadeira e apanhar sol. Como oficial posso fazer isso nas áreas de passageiros, mas não sei se iria sentir-me à vontade de andar por lá de calções de banho. Acho que seria como ir para a piscina com os nossos doentes do hospital... há coisas que não se misturam.

Depois fui ao bar da tripulação e espreitei o ginásio. Tem uns poucos aparelhos e é pequenino, sem janelas sequer. Havia uma passadeira e gostei. Apetece-me correr com o meu iPod... Dream Theater a bombar nos ouvidos e correr até cair para o lado. Deve ser stress acumulado!

Ontem já tinha ido lavar a minha roupa e passá-la a ferro na nossa lavandaria, portanto essa parte já conheço.

Já me oriento bem nas áreas da tripulação e até conheço algumas pessoas. Ainda ando com pezinhos de lã, com medo de meter o pé onde não é suposto.

A minha integração na enfermaria e nas burocracias tem sido dificílima devido à carga de trabalho que por lá existe com isto do vírus. Hoje estive "quase" sozinho a fazer tudo, desde ver passageiros e convidados a fazer registos no computador, enviar emails, separar papeladas e até a fazer facturação das medicações e procedimentos aos passageiros. É a primeira vez que faço facturação e que efectivamente vejo quanto custam os procedimentos e materiais com que lido diariamente desde há 6 anos e meio. Fico estupefacto quando olho para as facturas das coisas. Em Portugal esbanja-se de tudo nos hospitais. Pode haver alguma contenção de custos, principalmente nos privados e S.A.'s mas o pessoal não faz idéia de quanto dinheiro esbanja diariamente. Uma das facturas que fiz tinha umas análises, soros, dopamina e algumas coisas mais (algumas até não foram facturadas, tipo tentativas de algaliação sem sucesso) e a factura chegava quase aos 500 dólares! É brutalmente caro! Quase todos nós, enfermeiros, trabalhamos há vários anos sem termos a mínima noção do quão caros somos. Dá que pensar...

Azul até onde a vista alcança...!

 

A manhã de hoje foi o dia mais produtivo em termos de "integração no serviço". Até aqui fui um enfermeiro tarefeiro, fazia coisas de enfermagem, executava técnicas, fazia ensinos (muuuuuitos ensinos e educação para a saúde... aqui há mesmo consulta de enfermagem) e por aí fora. Mas pouco ia percebendo do funcionamento do serviço em si. Finalmente estou a entrar nos eixos. E até já tenho idéias para tornar o serviço mais eficiente e organizado, porque aquilo está um pouco confuso. Do género de ter de ir a três salas diferentes só para recolher todo o material necessário para montar um sistema de soro e puncionar o doente. De certa forma, aqueles procedimentos todos de verificação do material e drogas, etc. que faziamos diariamente na Sala de Reanimação da Amadora fazem, sem que nos apercebemos, com que na nossa cabeça criemos um sistema organizacional do qual ficamos totalmente dependentes. Porque inconscientemente sabemos TODO o material que temos disponível e onde o encontramos. Numa situação de emergência as coisas acabam por sair automaticamente e sem pensar... as gavetas abrem-se sem que tenhamos de parar ou olhar... a mão vai lá automaticamente quando precisamos de um sistema de soro ou de outra coisa qualquer. É disso que sinto falta aqui: de um sistema, de uma organização específica, de regras e normas que façam as coisas estar no sítio certo e da maneira que é suposto estarem quando precisamos delas. Mas isso fica para mais tarde. Para já preciso estar apto a ficar sozinho o mais rápido possível e isso significa saber mexer no computador e conhecer as burocracias todas.

Hoje vou mandar um email para os manda-chuvas nos escritórios em Miami a dizer que quero continuar com eles e a perguntar quais os navios que terei disponíveis para mim quando terminar o meu período de férias que vai de 24 ou 25 de Julho até meio ou finais de Agosto. Estou desejoso de ir para um dos navios maiores e mais bonitos. Este é uma lata velha do caraças! Já vai fazer 23 anos. É fixe para começar, para nos habituarmos à vida no mar, mas quero um navio maior, mais moderno, mais luxuoso e com itinerários mais bonitos. Sou fútil? Sim, um bocadinho!   ;)

O meu inglês está muito fixe. Dou por mim com sotaque sulista! Do pior mesmo, pareço o Forrest Gump a falar!!! "My mom says life is like a box of chocolates.... you never know what you get"! Porém, há momentos em que bloqueio completamente. Quando tenho uma dúvida acerca do funcionamento de algo ou alguma questão que me causa confusão cá nos neurónios, tenho uma dificuldade extrema em construir a frase na cabeça antes de deitá-la cá para fora. Também quando chego ao final do dia e estou cansado e com sono, a tal dificuldade em construir frases reaparece, mas fica até ao dia seguinte. Não fazem idéia do quão cansativo é este período de adaptação em que temos de pensar no que dizer. Na maior parte das vezes sai naturalmente sem pensar, mas há situações em que preciso procurar palavras, vasculhar no vocabuláro e encontrar forma de contornar a ausência do mesmo. É cansativo... esgotante mesmo. Principalmente quando um passageiro olha fixamente para nós à espera que digamos algo e sentimos a pressão de que as palavras saiam e elas parecem prender-se ainda mais! Só me apetece dizer "RUUUUN, FORREST!!!!" e fugir dali para fora! Surpreendo-me quando dou por mim a pensar ou a contar dinheiro (estilo Tio Patinhas) na minha cabine... e estou a fazê-lo en inglês. Contar dinheiro em inglês?! Fico parvo quando me apercebo! Ontem na lavandaria estava a tentar falar português com uma tripulante brasileira e quando dava por ela, já estavamos a falar inglês. O engraçado é que com ela acontecia a mesma coisa... isto entranha-se!

Até amanhã!

3 comentários:

Unknown disse...

Boas gajo!
Só para te mandar um abraço! Tenho acompanhado a tua aventura e tenho-me divertido a ler as tuas historias.
Fico contento por ver que estás a gostar e que já tas a pensar em continuar. Só tu com esses pensamentos megalomanos de navios grandes e mais bonitos!

Um abraço Bishop

Rosette disse...

Previsível. Ainda nem passou um mês e já estás cheio de vontade de continuar! Eu avisei...(olha, enviei sms, não recebeste...). Beijos.

Anónimo disse...

Ficaste surpreendido com isso do Inglês se entrenhar? Então não te lembras da Grécia?
Ando a fazer comentários atrasados, mas mais vale tarde que nunca...

Beijinhos,
M'Anne