O regresso à escrita

 

Olá de novo! Tenho andado afastado da escrita por vários motivos: contenção de custos relacionados com internet e vida social. Com a vida social  no seu melhor, com um horário de gente e com possibilidade de circular por todo o navio, as coisas mudaram um bocadão aqui para o meu lado. Conheci montes de gente, tenho um grupinho de amigos e já não passo tanto tempo agarrado ao computador a escrever. Mas aconteceu taaaaanta coisa na última semana que tenho que partilhar convosco. Sei que alguns vão morrer de inveja...  :)

Vou tentar contar tudo de forma sucinta e organizada, algo que não é habitual em mim.

Estava previsto no meu horário que trabalharia das 8h-16h no dia em que o Holiday visitaria Cozumel no último cruzeiro. E às 19h da véspera aconteceu o inesperado: uma das enfermeiras, a que estava para ficar "on call" durante a noite, sentiu-se mal e tive de ficar a trabalhar por ela. E dessa forma não poderia ficar eu de novo a trabalhar durante o dia, pelo que fiquei de chamada à noite e tive folga em Cozumel. E que grande folga que foi! De manhã deixei o Holiday com a Talia e uma amiga dela, uma inglesa, e fomos direitinhos ao Barracuda para banhos de sol, mergulhos no Mar das Caraíbas e a bela da piña colada. É uma rotina a que não custa habituar!

O grupinho do costume acabou por se juntar lá: eu, o Richie, a Talia, o Luke, Dale e outros gajos da banda. Até que o clima mudou de repente, muitas núvens e chuviscos e acabei por bazar de lá com o Richie. Este pianista-cantor conhece Cozumel como a palma da mão e levou-me a uma espécie de quiosque muuuito fixe onde podemos sentar-nos na esplanada, beber umas tequilas, cerveza XX e comer um burrito gigantesco com guacamole a acompanhar e ainda aceder à net grátis. Não podia ser melhor! Tive oportunidade de mostrar as fuças a quem estava online e deixar ver a paisagem (que aqui era só uma ruela mexicana). Foi até a bateria ir abaixo! Uma tarde de conversa com o Richie. Falámos de tudo, ficámos a conhecer-nos melhor e passei a gostar ainda mais do gajo... é doido mas é um porreiraço!

Voltámos ao cais à última hora possível para tripulantes e no barco que nos transportou de volta ao Holiday encontrámos o Dale. Até pedimos a uma espécie de "Qué-frô" que há por cá (são os "Qué-fio-ou-pulseira-da-treta") que nos tirasse uma foto juntos e com um navio da Disney Cruise Lines como pano de fundo. Bonita foto!

Têm sido dias e noites muito divertidos. Tenho trabalho mas quase nem ligo porque me divirto tanto nos intervalos. É verdade que tenho momentos em que me sinto sozinho mas acho que faz parte do processo de adaptação a uma nova vida longe de tudo o que nos é familiar.

Ando sempre com o Dale, o Richie e a Talia para todo o lado. O Dale é músico, não tem pager. Mas a Talia é a gerente da internet e tem um, tal como eu, pelo que andamos sempre a bipar-nos por tudo e por nada, com os pedidos mais estúpidos, como encomendas de pizzas e coisas que não lembram a ninguém!

O Dale estava interessado na Talia desde que a conheceu, mas ela não quer nada com ele... no entanto baba-se toda quando vê um oficial italiano todo bonzão que por aqui se pavoneia. Quando ela lhe perguntou o que fazia ele no navio, a resposta foi "Ái draiva da chipa" (que é como soa a frase "I drie the ship" que por si só já é um erro engraçado!). E é com este "bellíssimo" sotaque italiano que usamos esta frase para tudo e mais alguma coisa. A Talia "draiva da interneta cafe", eu "draive da inférmári" e toda a gente "draiva" o que calhar!

Todas as noites tenho ido ver o Richie cantar e tocar e vou vendo o que posso onde quer que seja no navio. A festa de Valentine's Day no bar dos tripulantes foi decandente... como qualquer festa do dia dos namorados para quem não tem ninguém e não consegue arranjar na festa! Na traseira da enfermaria temos uma caixinha com coisas grátis que os tripulantes vão buscar se precisarem, como paracetamol, pensos rápidos, alka-seltzer e coisas assim. Nessa caixinha estão também preservativos. No dia a seguir à festa a caixa dos preservativos estava vazia! Ou alguém esteve muito ocupado nessa noite ou havia muita gente com esperança de terminar a noite em grande!

Nessa noite da festa fui para a cama lá para as duas da manhã e no dia seguinte estava mortinho de sono. Muita borga, poucas horas de sono... não pode ser!

E ontem estava eu na enfermaria entre as 16h-20h quando recebi uma chamada: alguém se magoou na sala de espectáculos. Liguei para lá para saber o que acontecera e disseram-me que uma das bailarinas se lesionou durante o espectáculo. Não conseguiam tirá-la de lá enquanto o espectáculo não terminasse e queriam que fosse lá para ajudar não sei bem a fazer o quê. Pedi instruções para saber como ir para os bastidores sem interromper o show, chamei uma enfermeira para ficar na enfermaria enquanto saí e meti pés ao caminho. Passei por trás da banda no meio do espectáculo e quase parei para dar um calduço ao Dale, mas achei melhor não fazer nada. Entrei nos bastidores e estava a liiiiiiiiiinda bailarina sentadinha numa sala minúscula cheia de espelhos e luzes, com a perna apoiada numa cadeira e gelo no joelho. Comecei por saber o que tinha acontecido, que tipo de traumatismo foi, destapei para ver se tinha deformações, pedi-lhe para mover para ver se mantinha a mobilidade e parecia tudo bem. Até que alguém disse "rápido, elas vêm aí e precisamos de espaço". Pegaram no meu carrinho com a mala de emergência e meteram no extremo oposto da sala, fora do meu alcance e mal tive tempo de sacar uma ligadura e uns ibuprofenos para dar à rapariga. Eis que num interlúdio onde fica só uma cantora no palco TODO o elenco de bailarinas corre para dentro da minúscula sala numa grande algazarra e stress e desatam a despir-se enquanto eu aplicava uma tala "SAM" para imobilizar o joelho magoado. Meus amigos... um gajo é profissional e tal... mas ter um elenco de bailarinas na casa dos 22 anos COM TUDO À MOSTRA à nossa frente é um teste ao profissionalismo! Continuei a fazer a ligadura enquanto duas delas stressavam porque a roupa estava torcida e não conseguiam vesti-la direita, tudo nú e a abanar à minha frente e ainda disse ao Byron, um animador social que é gay e que estava lá para saber da rapariga acidentada, que ajudasse a outra rapariga que tinha a roupa torcida, coitadinha! No meio do stress e das asneiradas e das gargalhadas delas perguntei à minha nova doente se aquilo era sempre assim, como se fosse normalíssimo para mim para estar rodeado de mulheres daquelas NUAS à minha frente. Foi um momento engraçado... sim senhora! Constrangedor por um lado, mas sem sombra de dúvida uma dádiva! --- Bispo, Estevinho, Ratinho, Toscano... vocês não fazem idéia da visão que foi!

Giro giro foi tirá-la dali com o espectáculo a decorrer. Conseguimos sair por uma escada de emergência, mas tivemos de acartar com ela, o Byron e eu. Agarrei-a pelas costas (vá meninos, brinquem lá com isso!) e o Byron pegou-lhe nas pernas. Subimos devagarinho até chegarmos ao deck 10, escuro e frio porque já era de noite. Curiosamente estava precisamente em frente à minha jangada salva-vidas em caso de evacuação do navio! Ainda pensei em fugir com a rapariguinha dali para fora, mas com o joelho estragado também não ia dar para muita coisa!  ;)  Lá conseguimos uma cadeira de rodas e trouxe-a para a enfermaria. Isto foi ante-ontem e tenho ido meter conversa, emprestei-lhe uns DVDs para ver enquanto está deitada a repousar o joelho e tenho mostrado que sou um menino simpático e fofinho com quem ela pode viver até ser velhinha! Tem uma gargalhada inconfundível e que se ouve em todo o lado! Emprestei-lhe os meus DVDs do Dane Cook e disse-lhe "I couldn't help but notice that you love to laugh... so here's a couple of hours of laughter". Ficou toda sorridente e agradeceu-me! Adorei estar na minha cabine e ouvi-la rir do outro lado do corredor! Acho que marquei uns pontinhos...   ;)

Hoje foi o dia do fim do cruzeiro, de volta a Mobile. Fiquei fechado feito rato porque estava de serviço das 8h-16h. Almocei com o Dale, que também não pode sair do navio durante todo o próximo cruzeiro (está de "port-manning" que é a equipa de reserva para eventuais emergências quando o navio está em algum porto), e com a Talia. O gajo imita o Beavis e o Butthead como ninguém... e o Yoda também! Mal ele começa a rir-se como os outros parvos metaleiros da MTV até me sai sumo pelo nariz! A Talia diz que somos malucos, mas não consigo parar de rir com o gajo a imitar o Beavis e o Butthead! Adoro o Yoda com sotaque italiano a dizer "Huuumm... da chipa you draiva"! Este Dale é um prato! É o meu amigalhaço... e vai embora daqui a um mês. Começa a assustar-me esta cena de sempre que faço amigos ou eles ou eu acabamos por ir embora... é algo a que vou ter de habituar-me.

As hormonas estão um bocado exaltadas, e cada rabo de saia que vejo me faz pensar "ah não afinal é esta que quero". Tenho plena noção disso. Mas fora essa adolescência tardia que pareço estar a vivenciar, estou a dar-me muito bem com a Talia. Sem quaisquer interesses de ambas as partes, seja porque gosto imenso do Dale e nunca era capaz de meter-me com a Talia sabendo que ele tem uma pancada por ela, seja porque a Talia não quer nada comigo. Damo-nos super bem. Ela adora que eu tenha sempre um elogio novo para ela quando a vejo (não é difícil elogiá-la, também é uma verdade!) e derrete-se toda porque lhe seguro as portas para passar e aquelas coisas que sempre fiz e continuarei a fazer. E gosto que ela seja super querida para mim e que se derreta com qualquer coisa que lhe diga. Hoje foi ter comigo à sala de espectáculos, a Americana Lounge, e ofereceu-me um chocolate. É um coração de chocolate negro que tem uma mensagem escrita no interior do invólucro. Engraçada coincidência, mas a mensagem era "write a real letter, not just an e-mail". E ofereci-lhe o papelinho porque tem a sua paida, sendo ela a gerente da internet a bordo! É uma querida! E tem sido através dela que tenho conhecido montes de gente fixe, como a sérvia jeitosa que já mencionei antes e outras tais. Estou a adorar ter uma vida social!

Estou agora acordado às seis da manhã, sem dormir há 24 horas, com o navio a voltar atrás para evacuar um passageiro. Situação gravíssima... fora do alcance do helicóptero ou de qualquer outro meio da Guarda Costeira e a 10 horas da costa. Ainda não sei o que vai acontecer quando estivermos ao alcance dos meios disponíveis... se vem um helicóptero buscar-nos ou se vem uma lancha outra vez. Sei que serei eu a sair do navio... o resto é uma incógnita. E só cá estou há três semanas e já me acontece de tudo por aqui. Vemo-nos metidos em situações que parecem saídas de um filme de acção ou de um episódio do E.R.. É a loucura!!!

Estou sem cartão de internet e com um montão de fotos para meter aqui. Ainda não sei como este post chegará a vós, se via satélite quando comprar um novo cartão ou se via hotel quando estiver em terra à espera de vôo para regressar ao navio no México.

Tenhos saudades da malta! Dêem notícias! Mandem mensagens, comentários, e-mails... qualquer coisa. Mas dêem novidades. Beijinhos e abraços!!!

P.S.: com o sono que estou, ainda adormeço no helicóptero!